Vivemos hoje em um data-driven world, ou um mundo guiado pelos dados: uma realidade marcada pela transformação digital e inovação tecnológica e impulsionada pelos novos hábitos de consumo, que levanta novas discussões regulatórias. Acompanhando essa evolução, surgiu em 2018 no Reino Unido o primeiro projeto de Open Banking (ecossistema de compartilhamento de dados bancários). Mesmo sendo relativamente recente, a ideia vem ganhando força pelo mundo e agradando autoridades e participantes dos mercados onde já foi implementado. Uma tendência imediata que se observa nos projetos é a expansão do escopo de dados compartilhados para outros serviços financeiros, o Open Finance, que já vem sendo discutido e/ou implementado em diversas jurisdições, com destaque para o Brasil. Mas, ao que tudo indica, essa expansão não deve parar por aí. Essa tendência deve se espalhar para outros setores da economia (como telecomunicações, saúde, streamings, e outros) em um movimento de “Open Everything”.
Do Open Banking ao Open Everything: o compartilhamento de dados como tendência
As mais diversas soluções e modelos de negócios estão sendo desenvolvidos a partir de tecnologias para o armazenamento e o trabalho dos dados gerados cotidianamente pelos cidadãos em suas interações digitais. Esse novo cenário tem levantado diversas questões regulatórias e uma das principais diz respeito à propriedade desses dados.
É nesse sentido que se destaca o Open Banking: a criação de um ecossistema de compartilhamento de dados bancários. Seu ponto de partida é o empoderamento do cliente com relação aos seus dados, ou seja, o reconhecimento da propriedade dos dados como sendo do cliente, o que lhe dá o direito de compartilhar esses dados com outras instituições de sua escolha. Isso rompe o monopólio informacional que as instituições detinham sobre seus clientes e faz com que eles não precisem, por exemplo, criar uma relação do zero com uma nova instituição, podendo simplesmente compartilhar o seu histórico se quiserem migrar para outro provedor de serviço. A ideia geral é de que, uma vez que as informações podem ser compartilhadas (mediante autorização expressa do usuário), surjam novas soluções cada vez mais adequadas ao perfil do cliente. Partindo desse princípio, o projeto visa criar um ecossistema que viabilize esse compartilhamento de dados de forma segura e eficiente.
No Brasil, por exemplo, o Open Banking entrou em funcionamento em 2021 e o ano de 2022 marca a expansão do ecossistema para abarcar dados de seguros e investimentos no país, criando o Open Finance. Essa expansão para o sistema financeiro de forma mais ampla vem se consolidando como tendência nos principais países que já adotam o Open Banking, estando em fase de estudo no Reino Unido, União Europeia e Austrália, por exemplo. Nesse sentido, o Brasil se destaca internacionalmente como o primeiro a viabilizar o compartilhamento de informações do setor de investimentos, o que coloca o país na fronteira desse tipo de projeto. E essa iniciativa pode ser apenas o início de uma expansão ainda maior: o Open Everything – o compartilhamento de dados nos mais diversos setores da economia. O assunto foi comentado no evento The Developers Conferece (TDC) Innovation 2022, que aconteceu em Santa Catarina. Ainda que, hoje, o tema habite o mundo das ideias, se mostra uma bela aposta como tendência no horizonte da nova economia digital.
Como o Open Everything pode beneficiar o cliente
Reconhecer que os dados pertencem ao indivíduo cujas interações geraram o dado permite que o usuário possa compartilhar informações relevantes com vários players do mercado, possibilitando o desenvolvimento de novas soluções de produtos, serviços e negócios.
Reconhecer que os dados pertencem ao indivíduo cujas interações geraram o dado permite que o usuário possa compartilhar informações relevantes com vários players do mercado, possibilitando o desenvolvimento de novas soluções de produtos, serviços e negócios.
Diferentes setores já têm mapeados benefícios do compartilhamento para otimizar sua atuação. No caso do setor de seguros, por exemplo, o compartilhamento de dados pode trazer diversos benefícios, com destaque para melhoria no cálculo de riscos. Em outro exemplo, no setor de saúde, o compartilhamento de dados entre hospitais, clínicas, laboratórios e outros, pode proporcionar uma tomada de decisão muito mais acurada em um caso de emergência. Já em telecomunicações, o compartilhamento de dados poderia, por exemplo, facilitar processos de portabilidade e desenvolvimento de planos mais personalizados para o cliente.
Outro setor onde a abertura de dados estimula a personalização de produtos é o de streaming. Aqui, o benefício do compartilhamento de dados permitiria receber indicações mais acuradas desde o primeiro dia em uma nova plataforma ou mesmo ter acesso a novos modelos de serviços, como indicadores de conteúdo que mapeiam os streamings selecionados e traz opções que se encaixem no seu gosto pessoal.
O desenvolvimento de soluções mais personalizadas está em linha com as novas tendências de consumo, como mostra pesquisa feita pela Salesforce com consumidores dos EUA entre 10 e 58 anos e entre os anos de 2020 e 2022. Os resultados indicam um crescimento na proporção de consumidores que valorizam a experiência personalizada. Entre esses dois anos, o crescimento entre os que declararam que esperam ter suas necessidades antecipadas pelas empresas foi de 6 pontos percentuais. Além disso, em 2022, 73% dos entrevistados declararam esperar que as empresas entendam suas expectativas e necessidades únicas, frente a 66% em 2020.
Ecossistemas de compartilhamento de dados viabilizam novas soluções de mercado que atendam a novas demandas dos consumidores, além de possibilidades de melhores cálculos de preços e riscos, surgimento de novos modelos de negócios, entre outros possíveis benefícios. Contudo, para que os benefícios possam ser usufruídos, é necessário que a infraestrutura desenvolvida leve em consideração os riscos do compartilhamento massivo de informações, com destaque para a proteção dos dados.
É por isso que projetos de ecossistemas de compartilhamento de dados, em geral, exigem muito tempo de pesquisa, debates e análises antes de entrarem, de fato, em execução e não têm expectativas de resultados excepcionais no curto prazo. Já é possível, no entanto, observar resultados animadores no Open Banking do Reino Unido, pioneiro no modelo, principalmente no que diz respeito a nichos de consumidores com histórico de dificuldade de acesso ao setor financeiro tradicional, como é o caso de pequenas e médias empresas (PMEs). Esse tipo de resultado pode impulsionar a expansão do processo de abertura de dados para outros setores.
Resultados iniciais do Open Banking animam para um futuro Open Everything
O Open Banking é uma inovação regulatória amplamente disruptiva, o que exige um tempo de adaptação do mercado para que se possa analisar seus resultados. No Brasil, por exemplo, com o projeto ainda em fase de implementação, resultados iniciais (ainda que pouco expressivos a nível de mudança de paradigma) animam as entidades envolvidas. Nesse sentido, o mercado brasileiro tem grande expectativa de melhora nas condições de financiamento, sobretudo para PMEs e produtores rurais.
Essas expectativas parecem estar alinhadas quando olhamos os resultados já obtidos com o Open Banking no Reino Unido, o pioneiro no projeto. Com o ecossistema em execução há 4 anos, o país comemora marcos como 6 milhões de usuários e mais de 30 milhões de chamadas bem-sucedidas de APIs por dia, em média. Com relação especificamente às PMEs, o último relatório oficial emitido pela OBIE traz uma pesquisa que mostra que esse segmento já vem experimentando benefícios com o Open Banking: 82% consideram que melhoraram sua eficiência no gerenciamento dos negócios e 75% consideram que melhoraram sua tomada de decisão diante de novas ferramentas de negócios ofertadas. Além disso, 47% reduziram seus custos internos e 53% reduziram custos externos.
PMEs representam um segmento globalmente afetado no setor financeiro, com dificuldade de gerenciamento de capital e alto custo de crédito. Espera-se, assim, que seja um dos principais beneficiados com o compartilhamento de dados no sistema financeiro. Representam um bom exemplo de consumidores que devem se beneficiar tanto em relação à melhores condições de preços, como com relação ao desenvolvimento de produtos e serviços mais adequados ao seu perfil, e parecem já começar a colher esses frutos onde o ecossistema de dados abertos já está em fase mais madura – como no Reino Unido.
Conforme os resultados do Open Banking explicitem cada vez mais esses benefícios, a tendência é que projetos de compartilhamento de dados se expandam para outros setores, em busca de novas soluções para os mercados.
Morgana Tolentino é pesquisadora do Instituto Propague e mestranda em Economia pela UERJ.