Cada vez mais, empresas e governos trabalham na definição de regras e parâmetros capazes de avaliar o impacto de suas atividades na sociedade e no meio ambiente, refletindo suas estratégias de sustentabilidade ou em ESG, sigla em inglês para ambiental, social e governança.
Esse cenário se explica tanto pela pressão dos consumidores, como pelo fato de os aspectos sociais e ambientais estarem sendo bem mais valorizados pelos investidores. Nesse contexto, um caso que se destaca globalmente é o da União Europeia (UE).
Em março de 2021, passou a vigorar no bloco o Regulamento para Divulgação de Finanças Sustentáveis (SFDR), aprimorado em 2022 com a introdução dos Principais Impactos Adversos de Sustentabilidade (PAIs), os quais foram reclassificados no início de 2023, quando, desde janeiro, as organizações estão obrigadas a coletar dados.
Pela robustez, o documento vem sendo apontado como o conjunto de leis mais arrojado até então apresentado a fim de assegurar que os fundamentos ESG sejam utilizados para a tomada de decisão na aplicação de recursos.
Consequentemente, especialistas de diversas partes do mundo têm se debruçado sobre essas normas na tentativa de identificar o que o SFDR tem a ensinar. Inclusive, no Brasil, onde há alguns anos o debate sobre ESG, outrora com outras denominações, também vem acontecendo e exemplos de algumas propostas da UE já estarem sendo aplicadas em certo grau por aqui.
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Como a regulação ESG funciona na UE
O SFDR foi implementado no escopo do Plano de Ação para as Finanças Sustentáveis lançado pela Comissão Europeia. Em linhas gerais, ele obriga gestores e consultores de investimentos a prestarem informações precisas sobre os riscos climáticos e ambientais refletidos pelos ativos.
Além disso, essas informações devem seguir uma taxonomia rigorosa, caso eles desejem ser bem-sucedidos no âmbito do marco regulatório ESG europeu. Essa classificação é que vai determinar que negócios e investimentos podem exibir um selo ESG.
Assim, o SFDR cataloga os produtos financeiros em três categorias, conforme o grau em que levam em conta a sustentabilidade. São elas:
- Produtos convencionais – consideram critérios ESG na metodologia de tomada de decisão de investimentos ou justificam os motivos pelos quais os riscos para a sustentabilidade não são importantes informar;
- Produtos que desenvolvem características sociais ou ambientais – embora promovam características ESG e possam destinar recursos a investimentos sustentáveis, seu principal objetivo não é investir em sustentabilidade;
- Produtos voltados para o investimento sustentável – têm como principal objetivo o investimento sustentável. Ou seja, em uma atividade econômica que tenha um propósito social ou ambiental e que as empresas que receberão os recursos sigam boas práticas de governança.
Ao mesmo tempo, a regulamentação define requisitos para divulgação tanto a nível de instituição como de produto.
Tais requisitos envolvem informações sobre como as ameaças à sustentabilidade integram o processo de tomada de decisão de investimento, bem como sobre como tratam os principais impactos negativos e como os produtos podem ser afetados.
Também deve ser declarado como essas informações são garantidas, notadamente especificando o grau de alinhamento com a taxonomia do SFDR.
Dessa forma, a UE espera assegurar maior transparência dos mercados financeiros em termos de ESG, possibilitando combater o greenwashing e dar aos investidores oportunidade de comparação e segurança entre as opções de investimento.
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O que se observa no Brasil?
Quando se olha para o que vem sendo feito em termos de regulação ESG no mercado financeiro brasileiro, observa-se algumas propostas que, em algum grau, vão ao encontro do que propõe a UE.
No setor bancário, por exemplo, o Banco Central (BC) vem publicando, desde 2021, o Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas, já em sua segunda edição, com o objetivo de avaliar como o Sistema Financeiro Nacional (SFN) está exposto ao risco climático.
A iniciativa se dá dentro da Agenda BC# que aborda o pilar de sustentabilidade e contempla várias frentes possíveis de atuação do próprio banco e no âmbito das instituições financeiras sob sua supervisão, envolvendo áreas como regulação, políticas, parcerias e ações internas.
Já quem investe no mercado de ações, passou a ter acesso, desde janeiro de 2022, a um ranking com empresas listadas em Bolsa que estão mais avançadas na agenda ESG.
Ao passo que, mais recentemente, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgou seu plano bienal de supervisão baseada em riscos para 2023 e 2024. Na agenda constam comissões temáticas para tratar, entre outros temas, das ações ESG no mercado de valores mobiliários.
A saber, a proposta é analisar o preenchimento das informações exigidas nos formulários de referência da CVM, que passou a pedir mais dados sobre a estratégia ESG das companhias de capital aberto a partir de 2023.
De acordo com o órgão, essa avaliação permitirá melhorias na qualidade do conteúdo, ajudando o investidor a tomar decisões de investimentos mais abalizadas. Além disso, com esse acompanhamento, a CVM crê que terá condições de analisar se será necessário estabelecer mais regras envolvendo ESG.
Que lições se pode tirar da regulação ESG europeia?
Traçando um paralelo entre a regulação ESG em vigor na Europa com o que está sendo feito no Brasil, alguns especialistas avaliam que a definição de normas que contemplam todos os setores da economia de forma única, considerando as especificidades de cada um, é o primeiro grande diferencial da UE.
Afinal, a implementação do SFDR segue o Plano de Ação para as Finanças Sustentáveis da Comissão Europeia, instituição independente politicamente que representa e defende os interesses da EU em sua totalidade.
Outro ponto importante, é a definição de uma taxonomia rigorosa em nível de produto, para que eles possam exibir o selo ESG, e ainda do formato de divulgação das informações, o que também inclui as ações das próprias organizações e não só aquelas relacionadas aos ativos financeiros.
Ainda mais que um dos maiores desafios da pauta ESG no Brasil tem sido a qualidade das informações divulgadas, tendo em vista a abrangência e a inexistência de uma taxonomia formal e unificada.
Até porque, os analistas de mercado apontam que a mesma importância dada aos relatórios financeiros deve ser conferida aos relatórios ESG, pois os critérios sociais e ambientais também estão direta e indiretamente relacionados com a criação e a proteção de valor.
Além disso, há quem diga que só haverá uma mudança efetiva relacionada à pauta ESG no Brasil quando a alta liderança envolvida no processo for avaliada e remunerada com base nos critérios estabelecidos, assim como propõe a UE.
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