As moedas digitais emitidas por bancos centrais, conhecidas pela sigla CBDC, podem melhorar a eficiência dos pagamentos internacionais e facilitar a vida de quem envia dinheiro para a família e amigos no exterior. Esta é a conclusão do relatório publicado em julho deste ano conjuntamente pelo Banco de Compensações Internacionais (BIS), o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Em alguns anos, podemos vir a usar as moedas digitais não só para remessas pessoais ao exterior, mas também para pagamentos no comércio internacional e no turismo.
Além disso, as moedas digitais poderiam ser integradas com arranjos de pagamentos domésticos e internacionais já existentes, agilizando a transferência internacional por trás de interfaces já conhecidas dos usuários.
Moedas digitais em pagamentos internacionais: segurança, praticidade e transparência
Como aborda o relatório, o modelo atual de transferências internacionais, baseadas em cadeias de correspondentes bancários, acumula algumas ineficiências: alto custo, falta de transparência sobre taxas, demora na compensação do pagamento e alta complexidade regulatória enfrentada pelas instituições financeiras.
A aplicação das moedas digitais para pagamentos internacionais pode resolver vários desses problemas (ainda que possa gerar outros).
A maior transformação seria um sistema em que cidadãos de vários países pudessem fazer pagamentos internacionais instantâneos entre si – como um Pix, mas para qualquer lugar do mundo. Mas o estudo avalia que mesmo uma transformação menos radical, que seria um arranjo internacional de acesso restrito a instituições autorizadas pelos bancos centrais, poderia gerar ganhos de eficiência consideráveis para o cenário das transferências internacionais.
O primeiro benefício é que se os bancos centrais absorverem a compatibilidade como objetivo na formulação das suas moedas digitais, podemos ter um sistema de pagamentos internacionais moderno e padronizado, feito “do zero”.
“As CBDCs transfronteiriças poderiam oferecer a oportunidade de começar com uma “tábula rasa”, e tratar as fricções inerentes aos atuais arranjos e sistemas de pagamentos internacionais desde o início”, diz o relatório.
Um dos principais ganhos de eficiência vem do fato de que transferências em redes de moedas digitais são instantâneos e dispensam a necessidade de agentes intermediários (como funciona a transferência SWIFT, por exemplo).
Isto tem um impacto direto na redução de custos e tempo das remessas internacionais, mas o relatório destaca que, havendo compatibilidade nos arranjos de moedas digitais, também vai cair o risco de erros no processamento de pagamentos entre diferentes países e moedas.
Além disso, os pagamentos internacionais com as moedas digitais podem ser acessados por mais instituições, ampliando o acesso ao serviço, e estão disponíveis 24 horas por dia, sete dias na semana.
Por fim, a transferência com moedas digitais pode ser programada com uma série de regras. Assim, o pagamento internacional é acompanhado de uma espécie de contrato digital discriminando todas as taxas que serão cobradas na operação. Com isso, reduz-se também a confusão sobre o custo efetivo do pagamento.
Pagamentos internacionais com moeda digital exigem coordenação entre reguladores
Para que tudo isso seja possível, deve haver uma harmonização tecnológica (interoperabilidade) e regulatória entre os países participantes. Segundo a avaliação dos especialistas, existem diferentes formatos possíveis para um arranjo internacional de moedas digitais, com graus variados de comprometimento dos países.
O modelo mais simples seria simplesmente adotar padrões internacionalmente compatíveis para as moedas digitais – algo que já está no radar do Banco Central do Brasil para a moeda digital brasileira.
Indo um passo além, o BIS prevê sistemas interligados, ou seja, algumas CBDCs, com regras nacionais, podem ser conectadas diretamente por uma infraestrutura específica para compensar pagamentos entre moedas digitais distintas.
Por fim, poderia ser construído um único sistema, em que todos os participantes em diferentes países observem regras comuns e compartilhem a mesma infraestrutura digital, onde se usem várias moedas digitais. Atualmente, as autoridades monetárias da Tailândia, Hong Kong, China e Emirados Árabes Unidos e o Banco Internacional para Compensações (BIS) estudam esse último modelo, no projeto m-CBDC Bridge.
Além da infraestrutura tecnológica, os bancos centrais precisarão cooperar para gerenciar os riscos macroeconômicos e financeiros por trás da inovação das moedas digitais. O aumento da eficiência nas transferências internacionais, por exemplo, significa que o fluxo de capitais – para dentro e para fora do país – poderá ser muito mais volátil.
Por outro lado, o relatório mostra que, por serem uma infraestrutura do próprio banco central, as moedas digitais podem ser desenhadas propositalmente para reduzir esse tipo de problema. Nesse sentido, as CBDCs oferecem um controle maior do fluxo de capitais do que outras alternativas, especialmente o dinheiro em espécie.
“É crucial que os bancos centrais levem em conta a dimensão internacional, em seu trabalho em potenciais CBDCs e assim evitem muitos dos desafios nas tecnologias e processos legados de hoje.” afirma Sir Jon Cunliffe, diretor do Comitê de Pagamentos e Infraestruturas de mercado do BIS e diretor de Estabilidade Financeira do Bank of England.
O que as Olimpíadas têm a ver com as moedas digitais?
As moedas digitais podem ter seu primeiro teste internacional nas próximas Olimpíadas de Inverno, que vão acontecer em Pequim em fevereiro de 2022.
De acordo com o BIS, a maioria dos bancos centrais prevê a utilização das moedas digitais no seu território, seja nacional ou regionais, no caso de uniões monetárias como a Zona do Euro, que prevê a emissão do Euro digital, e a Comunidade Econômica do Caribe Oriental, que já lançou o DCash.
Enquanto as infraestruturas intermonetárias não saem do papel, já haverá uma aplicação internacional das moedas digitais: o turismo. Alguns projetos preveem permitir o uso das moedas digitais por não residentes, turistas ou profissionais a trabalho.
Nas Bahamas, não residentes em viagem à ilha podem se registrar e usar a moeda digital para fazer pagamentos, abaixo do limite de 1500 dólares das Bahamas por mês.
Na China, o e-yuan, a moeda digital chinesa, já foi utilizado por residentes de Hong Kong visitando a província de Shenzhen em testes mais cedo em 2021, e o banco central chinês anunciou em abril deste ano que a moeda digital poderá ser utilizada por turistas e atletas estrangeiros nas Olimpíadas de Inverno de Pequim.